O Facebook, rede social que se tornou uma plataforma de organização para os manifestantes franceses, exerce cada vez mais influência direta nas democracias. Mas a ausência de um debate coerente tende a esvaziar o movimento que surgiu para protestar contra o aumento do imposto sobre o combustível e se tornou uma revolta popular. O que Trump, Bolsonaro e o movimento dos "coletes amarelos" na França têm em comum? Suas trajetórias convergem em torno do Facebook. Nos dois primeiros casos, a rede social teria sido usada como arma de manipulação em massa, como prova o escândalo de roubo de dados orquestrado pela empresa britânica Cambridge Analytica e as denúncias envolvendo a campanha de Bolsonaro no Whastapp, que pertence ao Facebook. Já o movimento francês, que nos últimos finais de semana invadiu as ruas de Paris e das maiores cidades da França, nasceu na rede social, mas diferentemente dos cases eleitorais citados acima, foi espontâneo. Tudo começou no dia 10 de outubro, quando o motorista de caminhão Eric Drouet criou um evento no Facebook para protestar contra a alta do imposto sobre os combustíveis, que deveria entrar em vigor no início de janeiro. Oito dias mais tarde, a hipnoterapeuta Jacline Mouraud, que vive na Bretanha, publicou um vídeo de quatro minutos na plataforma. Ela denunciava a postura do governo em relação à população que precisa do carro em seu dia-a-dia –franceses que vivem em cidades afastadas ou na periferia de grandes centros, onde o transporte público é deficiente. O vídeo viralizou e teve mais de 6 milhões de visualizações. A repercussão levou a francesa, que recebeu ameaças, a fechar sua conta, mas o movimento estava lançado. Em poucos dias, centenas de vídeos, imagens e petições começaram a circular nas redes sociais, exigindo que o governo voltasse atrás em sua decisão. Na esteira dos protestos virtuais, surgiram outras reivindicações contra decisões tomadas pelo Executivo francês. Entre elas, o aumento dos impostos sobre as aposentadorias e a supressão do ISF, o imposto sobre a fortuna, medida que encarnou a “política para os ricos”, da qual foi acusado o presidente Emmanuel Macron. Falta de diálogo construtivo O movimento dos coletes amarelos não é formado por militantes politizados, como foi o caso da Primavera Árabe, em 2010, por exemplo. Esse aspecto tende a esvaziar o protesto – o que já vem acontecendo desde o dia 8 de dezembro, lembra Pierre Olivier Cazenave, especialista em redes sociais e criador do Social Media Club, grupo francês de discussão sobre o uso das plataformas digitais. Segundo ele, a falta de politização não permitiu que os "coletes amarelos" estabelecessem um diálogo construtivo no Facebook. Sem contar que os protestos reúnem diferentes grupos, o que dificulta ainda mais a coerência do debate. Entre eles, trabalhadores precários, em sua grande maioria, mas também moradores da zona rural, cidadãos eurocéticos, membros da extrema-direita, da extrema-esquerda, e no meio disso tudo, a vertente mais violenta: grupos extremistas que aproveitaram as manifestações para promover o quebra-quebra. “Temos a impressão que, fora o fato de Facebook ter sido usado como suporte de mobilização, a rede não possibilitou uma verdadeira discussão entre manifestantes sobre suas perspectivas e o movimento. A impressão é de que não existe um diálogo construtivo no Facebook”, diz Cazenave. Ele lembra que o algoritmo do Facebook gerencia os compartilhamentos por afinidade: ou seja, nas timelines dos membros dos diferentes grupos dos "coletes amarelos", aparecem somente conteúdos publicados por internautas que têm a mesma opinião. Nessa massa de vídeos, artigos e links, as fake news se disseminam na velocidade da luz. “Se a informação for falsa, mas corresponde a uma opinião com a qual a pessoa concorda, será compartilhada, e isso vai ajudar a disseminar um posicionamento”. Essa é a dinâmica que se instaurou no movimento dos "coletes amarelos", explica o especialista francês. Movimento “emotivo” se propaga mais rápido no Facebook A realidade é que, da mesma maneira que o Facebook mobiliza, também dispersa. Os protestos dos "coletes amarelos", explica Pierre Olivier Cazenave, tiveram desde o começo uma forte motivação “emocional”, o que dificultou a construção de um verdadeiro projeto em torno das reinvindicações. Existia, e ainda existe, o sentimento de que há excesso de impostos, perda de poder aquisitivo, mas sem formulações mais precisas sobre ações que poderiam reverter esse quadro. “Nas primeiras horas de mobilização, não havia nenhuma reivindicação formulada de maneira clara. Esse enraizamento emotivo da mobilização ganhou ainda mais força nas redes sociais”, analisa Cazenave. A força do movimento, entretanto, levou o governo a voltar atrás e a renegociar certas medidas. O governo Macron cancelou, por exemplo, a alta do preço dos impostos sobre o combustível e prometeu um aumento de €100 mensais no salário mínimo. Uma das maiores dificuldades do governo aliás, foi encontrar interlocutores dos "coletes amarelos" para negociar uma saída para a crise – já que o movimento se alastrou de maneira difusa, sem um único líder, utilizando o poder das imagens que mais viralizaram na internet. “Os 'coletes amarelos' querem ser ouvidos, mas também vistos. O triunfo da imagem, do vídeo, é algo interessante a ser observado”, diz Cazenave. Resta saber agora qual será o futuro do movimento, que perdeu força depois do atentado de Estrasburgo, no dia 11 de dezembro – o que levou ao surgimento de um boato na rede sobre a existência de um “complô” para enfraquecê-los.Teoria, lembra Pierre Oliver Cazenave, que não tem credibilidade. “O atentado foi o momento onde todos os franceses apoiaram a polícia. Foi um momento inédito das manifestações na França, onde vimos as pessoas aplaudirem as tropas de choque da polícia quando elas passavam.”
O Facebook, rede social que se tornou uma plataforma de organização para os manifestantes franceses, exerce cada vez mais influência direta nas democracias. Mas a ausência de um debate coerente tende a esvaziar o movimento que surgiu para protesta